sábado, 30 de maio de 2009

Milhão e meio de empregados portugueses não ganha sequer 600 euros

Perto de um milhão e meio (1.429.300) dos empregados portugueses não leva para casa 600 euros/mês, líquidos e outro milhão (1.027.800) ganha um pouco mais mas só até aos 900 euros. Há mais pessoas (147.800) a ganhar menos de 310 euros do que entre 1800 e 2500 euros (101.400). Há quem trabalhe a troco de um salário em espécie (quase 56.000 no primeiro trimestre) e Portugal regista já 326.000 pessoas que são confrontadas com a necessidade de acumular um segundo trabalho. Entre trabalhadores com contratos precários, independentes e operários a tempo parcial "forçado", temos 1,6 milhões de pessoas a laborar em instabilidade permanente. Há ainda 900.000 a trabalhar regularmente mais de 41 horas por semana.

Portugal está a viver um tempo de crise. Crise agravada pelas baixas remunerações e pela precariedade do emprego. Por isso, para muitos trabalhadores, um emprego e um só salário não são suficientes para pagar as contas. É uma das conclusões de um relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE) referente ao primeiro trimestre de 2009, que contabilizou a existência de 326.000 pessoas, confrontadas com a necessidade de acumular um segundo trabalho.
Este é um dos sinais mais visíveis dos baixos salários pagos no país, com as consequentes "sérias dificuldades" entre aqueles a quem o trabalho afinal não redime nem afasta da pobreza. O INE e os estudiosos do fenómeno apontam para "centenas de milhar de pessoas que saem de um emprego com salários baixos e entram noutro, também fracamente remunerado, porque não têm outra alternativa".
De acordo com os dados do INE, "um terço dos empregados, isto é, perto de um milhão e meio leva para casa um salário que não chega aos 600 euros mensais, líquidos". Há outro milhar que ganha um pouco mais, mas só até aos 900 euros por mês. Outro dado do INE: há mais pessoas a ganhar menos de 310 euros (147.800) do que a levar para casa entre 1800 e 2.500 euros (101.400) e que "pode ser explicado pelo trabalho a tempo parcial", segundo os técnicos.
Para o docente universitário, António Dornelas, a explicação é simples: "A razão que leva a acumular empregos descende em linha directa dos baixos salários, pois as pessoas precisam de uma segunda actividade para terem um rendimento suficiente". O professor do ISEG, João Ferreira do Amaral, acrescenta-lhe outro factor: "as dívidas, pois as famílias portuguesas estão em segundo lugar na lista das mais endividadas da União Europeia". Aliás, para este docente, "num sistema que integra inúmeros factores — a precariedade (que leva a procurar mais do que uma fonte de rendimento) e o trabalho em ‘part-time' (de onde não vem dinheiro suficiente) — explicam o duplo emprego", Duplo emprego que, no primeiro trimestre deste ano, contabilizava 325.900 pessoas, um pouco menos dos que os 339.800 do quarto trimestre de 2008.
Já agora saiba que nos "duplamente empregados", quase todos têm um primeiro trabalho na agricultura e pesca ou nos serviços, mas todos procuram a mesma segunda ocupação: um lugar nos serviços (destino de seis em cada 10 pessoas) e só um décimo escolhe trabalhar a terra, na maioria dos casos para consumo próprio.

56.000 trabalham a troco de coisas

Apesar de estar a cair em desuso, trabalhar não a troco de dinheiro, mas de coisas — como alojamento, alimentação, senhas de combustível — a verdade é que esta é a realidade para dezenas de milhar de pessoas em Portugal. No primeiro trimestre deste ano, havia registo de quase 56.000 pessoas a trabalhar por um salário em espécie. Trata-se de um fenómeno bem localizado, pois 40.000 estão no Norte e os restantes no Centro.
Trata-se de um fenómeno que já foi bem pior, pois há dez anos eram o dobro. Mas também há quem trabalhe para um familiar, sem receber remuneração: 11.400 no primeiro trimestre de 2009, e também localizado no Norte (mais de metade daquele número).
Ainda a descer, no primeiro trimestre do ano corrente, mas por outras razões como a crise económica e financeira, estão os que dizem que a sua principal fonte de rendimentos são os lucros de empresas, dividendos de acções, juros ou rendas. Com efeito, depois de anos em que este grupo de pessoas ia aumentando, neste trimestre esse número baixou para 429.000 pessoas, quase todas a viver nas regiões Norte e Centro.
A crise está a atingir severamente os mais desfavorecidos, pois está a levar ao forte aumento dos beneficiários de subsídio de desemprego. Isto apesar de "mais de metade das pessoas sem trabalho não terem direito a esta prestação". Com efeito, segundo o INE, os subsidiados eram 237.000 e quase metade estava no Norte.


Semana de trabalho acima das 40 horas

Segundo a lei, uma semana de trabalho tem 40 horas. Todavia, ela prevê excepções, mas a maioria dos especialistas ligados a esta área laboral, não acredita que todos os 880.000 trabalhadores que responderam ao inquérito do Instituto Nacional de Estatística (INE) dizendo que "dedicavam regularmente" mais do que 41 horas por semana, estejam, de facto, a "receber o pagamento correspondente às horas suplementares ou sequer tenham isenção de horário, também pago para além do respectivo salário base".
A verdade é que no relatório do INE não está indicada a razão pela qual "quatro em cada 10 trabalhadores a tempo inteiro costumam estar mais tempo no emprego do que o previsto na lei".
A docente Aurora Teixeira admite que haja casos em que este trabalho suplementar será pago, mas também admite que "está enraizado o hábito de trabalhar para além do horário habitual".
Já João Ferreira do Amaral, sublinha que "até há pouco tempo, a Europa estava a reduzir o número de horas trabalhadas, chegando em muitos casos, às 35 horas semanais". Só que, segundo a sua leitura, "a globalização trouxe para a Europa produtos fabricados com muito menores custos laborais, como por exemplo, a China, e, assim, em Portugal as pessoas vêem-se confrontadas com a necessidade de trabalhar mais, para não perder o seu emprego".
António Dornelas alinha nesta deriva, achando que "será esta também uma das variáveis da flexibilidade a que as empresas acedem com maior facilidade e, por isso, é tão usada e abusada". A que acresce, diz, o facto de "nós, em Portugal, fazermos muita coisa por imitação".


Precários os mais vulneráveis

Os mais vulneráveis são os trabalhadores precários, com receio de perder o emprego, sobretudo com a crise económica e o seu cortejo de falências e de despedimentos.
O certo é que desde que a crise atacou a economia, em Setembro passado desapareceram 29.000 "recibos verdes" e os contratos a prazo diminuíram em 41.000 pessoas. Uma pequena parte, segundo o INE terá passado aos quadros da empresa, mas a maioria ficou desempregada e, no caso dos chamados "independentes" com a agravante de terem ficado sem direito ao subsídio de desemprego.
Mesmo assim e tendo em conta este impacto da não renovação de contrato e da dispensa do serviço, a verdade é que no primeiro trimestre deste ano havia 687.000 trabalhadores com contrato a termo e 888.000 por conta própria, mas "sem terem pessoas a trabalhar para si". Ou seja, a maioria é um "falso recibo verde", e havia mais de um milhão e meio de trabalhadores precários.
Resumindo: entre pessoas com contratos precários, independentes e trabalhadores a tempo parcial "forçado", Portugal contava no primeiro trimestre deste ano, "mais de 1,6 milhões de pessoas que estavam (estão) a laborar em instabilidade permanente".

Lília Marcos

Semanário

Sem comentários:

Enviar um comentário